Fonte: Folha de S. Paulo –
23.03.2014
Por Giovanna Balogh
Planos de saúde podem ser
multados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) caso tenham médicos
conveniados que cobrem por fora para realizar partos, a chamada taxa de
disponibilidade. A cobrança foi criada há aproximadamente dois anos pelos médicos
para garantir que o obstetra estará presente na hora do parto, seja ele normal
ou cesárea. O CFM (Conselho Federal de Medicina) e o Cremesp (conselho de
medicina de SP), no entanto, dão o aval para os médicos fazerem a cobrança.
A ANS diz que a cobrança é
ilegal e pede que as pacientes denunciem esses casos. Como não tem alçada sobre
os médicos, a ANS vai penalizar os planos para que eles passem a fiscalizar e a
punir os profissionais, como o descredenciamento do profissional do plano.
As multas variam entre R$
80 mil e R$ 100 mil – nos casos de urgência e emergência. A ANS diz que o rol
de procedimentos da agência define como cobertura mínima obrigatória dos planos
o pré-natal, o trabalho de parto e o parto em si. Questionada, a ANS diz que
não tem o número de denúncias e de multas aplicadas pois tudo é classificado
como recusa de atendimento.
No ano passado, o CFM
emitiu um parecer informado ser favorável a essa taxa. Para o CFM, não é
antiético nem configura dupla cobrança mesmo o médico recebendo pelo plano de
saúde. “Um trabalho de parto pode durar de 10 a 12 horas e o médico não recebe
por isso. Ele ganha só pelo parto em si”, diz o segundo secretário do CFM,
Gerson Zafalon Martins, que assina o parecer do CFM. De acordo com ele, não há
um valor fixo e o preço é negociado com a paciente que pode pedir um recibo
para solicitar o ressarcimento com a operadora ou ainda declarar no Imposto de
Renda.
O valor pago aos médicos
por um parto (independente se é cesárea ou parto normal) é, em média R$
400, ou seja, um médico recebe mais em um dia de consultório do que para fazer
um parto. “É por isso que muitos obstetras estão deixando a obstetrícia e
seguem apenas com a ginecologia, ou seja, só consulta”, comenta Martins.
Para ele, o Brasil tem
altas taxas de cesáreas justamente por esse fator, ou seja, os médicos agendam
as cirurgias para evitar que tenham que ficar à disposição por horas de uma
mulher em trabalho de parto. A OMS (Organização Mundial da Saúde), recomenda
que apenas 15% dos partos sejam cesarianas, mas nos principais hospitais
particulares do país fica em torno de 90%. No SUS (Sistema Único de Saúde), 58%
dos partos são cesáreas.
A conselheira do Cremesp, a
obstetra Silvana Morandini, cobra R$ 2.000 de taxa de disponibilidade –
independente se o parto é normal ou cesárea. Ela diz que o valor é negociado já
na primeira consulta pré-natal onde é feito um contrato. “Se a gestante se
recusar, ela poderá fazer todo o pré-natal com o seu médico do plano e, na hora
que entrar em trabalho de parto, ser atendida pelo médico plantonista do
hospital que atende pelo seu convênio”, comenta.
A Sogesp (associação de
ginecologistas e obstetras) recomenda que neste caso o médico faça outro
contrato com a paciente onde ela assina que está ciente que, em caso de urgência
e emergência, deverá procurar o hospital conveniado. No site da associação há
modelos dos dois tipos de contrato disponíveis para serem usados pelos médicos.
A Sogesp diz ainda que está
à disposição dos profissionais caso eles sejam ameaçados de descredenciamento
por parte dos planos. “A Sogesp repudia essas ameaças que vão na direção oposta
ao direito dos obstetras e à vontade de muitas gestantes”, relata. O pagamento
da taxa de disponibilidade deve ser feito somente após o parto, diz o Cremesp.
A advogada especializada em
direito da mulher, Priscila Cavalcanti, diz que a cobrança é sim ilegal e que
dificilmente a gestante terá seu reembolso pelo plano já que a ANS reprova a
prática. “A mulher deveria ingressar com uma ação na justiça para pedir o ressarcimento
após o parto, mas isso dificilmente acontece. As mulheres pagam ou são
atendidas por plantonistas”, diz. Órgãos de defesa do consumidor, como o Idec e
o Procon, também já se manifestaram contra a cobrança.
A Abramge, associação que
representa 245 operadoras de planos de saúde, diz que segue a recomendação da
ANS. Em nota, a associação pede que as “operadoras respeitam todas as regras do
órgão fiscalizador”. A associação não informou se médicos já foram
descredenciados por cobrar a taxa.
AVISADA SÓ NO OITAVO MÊS
Quando descobriu que estava
grávida, a atriz Lívia da Silva Ferreira Adate, 31, escolheu um médico do plano
de saúde. Nas primeiras consultas, ela conta que o obstetra indicou os
hospitais onde ela poderia fazer o parto com ele e não citou nada sobre a
cobrança. “No final do oitavo mês de gravidez, ele veio falar que só fazia com
a equipe dele e que ela custava R$ 5.000″, comenta. A equipe inclui, por
exemplo, anestesista e pediatra.
De acordo com Lívia, com os
reembolsos do plano – caso eles fossem pagos integralmente – ela ficaria com um
‘prejuízo’ de R$ 1.500. “Ou seja, ia pagar por uma equipe que não conhecia e
que nem sabia se de fato ela estaria presente na hora ou se era uma do
hospital”, relata.
Como se recusou a pagar, o
médico disse que poderia indicar um colega que fazia plantão no hospital onde
ela teria a filha Liana, que no próximo mês completa um ano. “Me consultei com
ele na sexta-feira e a cesárea foi agendada para segunda-feira, dia que ele
estaria de plantão”, diz a atriz, que não pagou nada pelo parto. Ela conta que
uma amiga, que tinha uma gravidez de risco, optou em pagar. “Ela estava
insegura e acabou fazendo com ele que só avisou sobre a cobrança no sexto mês
de gravidez”, lamenta.
Grávida, a jornalista Ana
Carolina Rangel, 32, optou em trocar de obstetra quando a médica do plano
contou que cobraria entre R$ 3.000 e R$ 5.000, dependendo do hospital escolhido
pela gestante. “Pensei em fazer o pré-natal com ela mesmo tendo que fazer o
parto com outro médico. Desisti quando na segunda consulta ela disse que só me
daria o número de celular dela se eu assinasse o contrato que aceitava pagar”,
diz Ana Carolina.
Mesmo tendo convênio, Ana
Carolina, que pretende ter um parto normal, escolheu um obstetra particular que
vai cobrar R$ 7.000. “É com grande frustração que, no final das contas, vejo
que terei de pagar um obstetra particular para ter um acompanhamento digno
durante a gestação”, lamenta.
ENTENDA A COBRANÇA EXTRA
O que é a taxa de
disponibilidade?
É o valor
que o médico do plano de saúde cobra da paciente para estar
presente na hora do parto, seja ele cesárea ou normal
Qual o valor?
Qual o valor?
Não há uma tabela fixa. Há
médicos que cobram R$ 1.500 e outros que chegam a cobrar até R$ 5.000
Como é a cobrança?
O Conselho Federal de
Medicina aconselha o médico a falar sobre a cobrança já na primeira consulta
pré-natal. Assim, é feito um contrato entre o profissional e a paciente
Quando a taxa é paga?
Somente após o parto
A taxa de disponibilidade também é cobrada em caso de cesárea agendada?
Sim. O médico cobra o valor
independente de a gestante marcar a cirurgia para o horário conveniente
para ambas as partes ou de o profissional esperar a gestante entrar em trabalho
de parto
Médico particular cobra a taxa?
Não. A disponibilidade do
médico já está prevista no valor cobrado pelo parto
Quais as alternativas para a gestante que não quer pagar a taxa?
Ter o parto com o médico
plantonista do hospital que atende pelo convênio ou buscar um médico do plano
que não cobre a taxa
Como denunciar para a ANS
No caso de cobrança desta
taxa pelos obstetra, a gestante deve encaminhar a denúncia à ANS (0800 701
9656) ou na central de atendimento ao consumidor no site da ANS.
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