25 de março de 2014

Parto cobrado à parte pode levar plano de saúde a ser multado



Fonte: Folha de S. Paulo – 23.03.2014

Por Giovanna Balogh

Planos de saúde podem ser multados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) caso tenham médicos conveniados que cobrem por fora para realizar partos, a chamada taxa de disponibilidade. A cobrança foi criada há aproximadamente dois anos pelos médicos para garantir que o obstetra estará presente na hora do parto, seja ele normal ou cesárea. O CFM (Conselho Federal de Medicina) e o Cremesp (conselho de medicina de SP), no entanto, dão o aval para os médicos fazerem a cobrança.

A ANS diz que a cobrança é ilegal e pede que as pacientes denunciem esses casos. Como não tem alçada sobre os médicos, a ANS vai penalizar os planos para que eles passem a fiscalizar e a punir os profissionais, como o descredenciamento do profissional do plano.

As multas variam entre R$ 80 mil e R$ 100 mil – nos casos de urgência e emergência. A ANS diz que o rol de procedimentos da agência define como cobertura mínima obrigatória dos planos o pré-natal, o trabalho de parto e o parto em si. Questionada, a ANS diz que não tem o número de denúncias e de multas aplicadas pois tudo é classificado como recusa de atendimento.

No ano passado, o CFM emitiu um parecer informado ser favorável a essa taxa. Para o CFM, não é antiético nem configura dupla cobrança mesmo o médico recebendo pelo plano de saúde. “Um trabalho de parto pode durar de 10 a 12 horas e o médico não recebe por isso. Ele ganha só pelo parto em si”, diz o segundo secretário do CFM, Gerson Zafalon Martins, que assina o parecer do CFM. De acordo com ele, não há um valor fixo e o preço é negociado com a paciente que pode pedir um recibo para solicitar o ressarcimento com a operadora ou ainda declarar no Imposto de Renda.

O valor pago aos médicos por um parto (independente se é cesárea ou parto normal)  é, em média R$ 400, ou seja, um médico recebe mais em um dia de consultório do que para fazer um parto. “É por isso que muitos obstetras estão deixando a obstetrícia e seguem apenas com a ginecologia, ou seja, só consulta”, comenta Martins.

Para ele, o Brasil tem altas taxas de cesáreas justamente por esse fator, ou seja, os médicos agendam as cirurgias para evitar que tenham que ficar à disposição por horas de uma mulher em trabalho de parto. A OMS (Organização Mundial da Saúde), recomenda que apenas 15% dos partos sejam cesarianas, mas nos principais hospitais particulares do país fica em torno de 90%. No SUS (Sistema Único de Saúde), 58% dos partos são cesáreas.

A conselheira do Cremesp, a obstetra Silvana Morandini, cobra R$ 2.000 de taxa de disponibilidade – independente se o parto é normal ou cesárea. Ela diz que o valor é negociado já na primeira consulta pré-natal onde é feito um contrato. “Se a gestante se recusar, ela poderá fazer todo o pré-natal com o seu médico do plano e, na hora que entrar em trabalho de parto, ser atendida pelo médico plantonista do hospital que atende pelo seu convênio”, comenta.

A Sogesp (associação de ginecologistas e obstetras) recomenda que neste caso o médico faça outro contrato com a paciente onde ela assina que está ciente que, em caso de urgência e emergência, deverá procurar o hospital conveniado. No site da associação há modelos dos dois tipos de contrato disponíveis para serem usados pelos médicos.

A Sogesp diz ainda que está à disposição dos profissionais caso eles sejam ameaçados de descredenciamento por parte dos planos. “A Sogesp repudia essas ameaças que vão na direção oposta ao direito dos obstetras e à vontade de muitas gestantes”, relata. O pagamento da taxa de disponibilidade deve ser feito somente após o parto, diz o Cremesp.

A advogada especializada em direito da mulher, Priscila Cavalcanti, diz que a cobrança é sim ilegal e que dificilmente a gestante terá seu reembolso pelo plano já que a ANS reprova a prática. “A mulher deveria ingressar com uma ação na justiça para pedir o ressarcimento após o parto, mas isso dificilmente acontece. As mulheres pagam ou são atendidas por plantonistas”, diz. Órgãos de defesa do consumidor, como o Idec e o Procon, também já se manifestaram contra a cobrança.

A Abramge, associação que representa 245 operadoras de planos de saúde, diz que segue a recomendação da ANS. Em nota, a associação pede que as “operadoras respeitam todas as regras do órgão fiscalizador”. A associação não informou se médicos já foram descredenciados por cobrar a taxa.

AVISADA SÓ NO OITAVO MÊS

Quando descobriu que estava grávida, a atriz Lívia da Silva Ferreira Adate, 31, escolheu um médico do plano de saúde. Nas primeiras consultas, ela conta que o obstetra indicou os hospitais onde ela poderia fazer o parto com ele e não citou nada sobre a cobrança. “No final do oitavo mês de gravidez, ele veio falar que só fazia com a equipe dele e que ela custava R$ 5.000″, comenta. A equipe inclui, por exemplo, anestesista e pediatra.

De acordo com Lívia, com os reembolsos do plano – caso eles fossem pagos integralmente – ela ficaria com um ‘prejuízo’ de R$ 1.500. “Ou seja, ia pagar por uma equipe que não conhecia e que nem sabia se de fato ela estaria presente na hora ou se era uma do hospital”, relata.

Como se recusou a pagar, o médico disse que poderia indicar um colega que fazia plantão no hospital onde ela teria a filha Liana, que no próximo mês completa um ano. “Me consultei com ele na sexta-feira e a cesárea foi agendada para segunda-feira, dia que ele estaria de plantão”, diz a atriz, que não pagou nada pelo parto. Ela conta que uma amiga, que tinha uma gravidez de risco, optou em pagar. “Ela estava insegura e acabou fazendo com ele que só avisou sobre a cobrança no sexto mês de gravidez”, lamenta.

Grávida, a jornalista Ana Carolina Rangel, 32, optou em trocar de obstetra quando a médica do plano contou que cobraria entre R$ 3.000 e R$ 5.000, dependendo do hospital escolhido pela gestante. “Pensei em fazer o pré-natal com ela mesmo tendo que fazer o parto com outro médico. Desisti quando na segunda consulta ela disse que só me daria o número de celular dela se eu assinasse o contrato que aceitava pagar”, diz Ana Carolina.

Mesmo tendo convênio, Ana Carolina, que pretende ter um parto normal, escolheu um obstetra particular que vai cobrar R$ 7.000. “É com grande frustração que, no final das contas, vejo que terei de pagar um obstetra particular para ter um acompanhamento digno durante a gestação”, lamenta.

ENTENDA A COBRANÇA EXTRA

O que é a taxa de disponibilidade?
É o valor que o médico do plano de saúde cobra da paciente para estar presente na hora do parto, seja ele cesárea ou normal

Qual o valor?
Não há uma tabela fixa. Há médicos que cobram R$ 1.500 e outros que chegam a cobrar até R$ 5.000

Como é a cobrança?
O Conselho Federal de Medicina aconselha o médico a falar sobre a cobrança já na primeira consulta pré-natal. Assim, é feito um contrato entre o profissional e a paciente

Quando a taxa é paga?
Somente após o parto

A taxa de disponibilidade também é cobrada em caso de cesárea agendada?
Sim. O médico cobra o valor independente de a gestante marcar a cirurgia para o horário conveniente para ambas as partes ou de o profissional esperar a gestante entrar em trabalho de parto

Médico particular cobra a taxa?
Não. A disponibilidade do médico já está prevista no valor cobrado pelo parto

Quais as alternativas para a gestante que não quer pagar a taxa?
Ter o parto com o médico plantonista do hospital que atende pelo convênio ou buscar um médico do plano que não cobre a taxa

Como denunciar para a ANS

No caso de cobrança desta taxa pelos obstetra, a gestante deve encaminhar a denúncia à ANS (0800 701 9656) ou na central de atendimento ao consumidor no site da ANS.

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