Fonte: Tribunal de Justiça de Goiás – 21.08.2015
Foi na sala de aula em
que estuda que Alisson Freire, de 12 anos, recebeu, na noite de quinta-feira
(20), um benefício assistencial (Loas) de quase R$ 30 mil (retroativo a 2010),
por ser portador de xeroderma pigmentoso (doença genética, rara e mortal, que
deixa a pessoa hipersensível à exposição solar e causa câncer). A edição
especial foi realizada pelo Programa Acelerar – Núcleo Previdenciário do
Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), no Povoado Recanto das Araras,
em Faina, a 240 quilômetros de Goiânia.
Muito reservado, de olhar triste e desconfiado, o menino, que quase não sorri e
é obrigado a viver no escuro, praticamente dentro de casa, isolado das pessoas
para não ficar exposto à luz solar, demonstra uma rara alegria por ter obtido o
auxílio. “Mamãe, deu certo! Será que agora poderei ser um pouco normal se usar
esse dinheiro para pagar o tratamento?” questionou o garoto, olhando, com
lágrimas nos olhos, para a mãe, Gleice Francisca Machado, que, recentemente,
perdeu o marido Djalma Freire, seu primo em quarto grau, devido a proliferação
do câncer.
Gleice é presidente da Associação Nacional dos Portadores de Xeroderma
Pigmentoso e escreveu o livro Nas Asas da Esperança – A História de Dor e
Resistência da Comunidade de Araras para tentar arrecadar dinheiro no intuito
de auxiliar o filho e os outros moradores da comunidade, além de conscientizar
e esclarecer as pessoas sobre a gravidade da doença. Ela chorou abraçada ao
filho após a notícia de que ele teria o direito, pelo qual ela vem lutando há
mais de cinco anos, garantido. “Esse mutirão valeu todos os ‘tapas na cara’ que
recebemos, todos os nãos, as barreiras que tivemos de enfrentar, os inúmeros
preconceitos sofridos, a falta de amor e de compaixão de tanta gente que
encontramos pelo caminho”, desabafou.
Um minuto de
agradecimento
Foi na única igreja do
povoado que uma família inteira com xeroderma pigmentoso agradeceu a Deus pela
concessão dos benefícios. Os irmãos Maria Darci de Bastos, de 32; Luís Carlos
de Bastos, de 34; Maria José Martins de Souza, 54, e Maria Luíza Apolinari
Bastos Souza, de 43, conseguiram se aposentar durante o mutirão. Os filhos de
Maria Darci, um menino de 2 anos e uma menina de 4 anos, também carregam a
enfermidade consigo, mas ainda não desenvolveram a doença.
“Quando penso que daqui uns anos posso ver meus filhos, agora saudáveis e
bonitos, com essas manchas horríveis no rosto, sem uma orelha, nariz, lábio,
com o rosto e o corpo deformado como nós, sofrendo todo tipo de dor e
preconceito, meu coração fica muito apertado. Só espero que Deus nos ajude e
que esse dinheiro possa nos dar mais algum tempo de vida. Eu só quero que
minhas crianças não passem por isso. Rezo todo dia e sei que vou ser atendida
nas minhas preces”, pede, com fé, olhar voltado para o céu.
Benefício
imediato
Um servidor do Instituto
Nacional do Seguro Social (INSS) esteve presente ao esforço concentrado para
implantar, de imediato, o benefício aos moradores da comunidade ainda nesta
sexta-feira (21). Eles já começarão a receber os auxílios em no máximo 30 dias,
conforme explicou o juiz Reinaldo de Oliveira Dutra, coordenador do Núcleo
Previdenciário em Goiás. “Me sinto mais beneficiado com essa ação do que essas
pessoas. Sou eu que preciso agradecer essa oportunidade, que não está restrita
a concessão de benefícios, mas ao nosso engrandecimento como seres humanos.
Pessoas que mesmo com tantas adversidades, lutam com dignidade, sem se
entregarem. Dentro de uma sala de audiência, não conseguimos ter a dimensão do real
problema pelo qual a pessoa está passando. Ali, olhando nos olhos das pessoas,
vendo o local onde mora, trabalham, estudam, é que podemos mensurar com
exatidão, tudo o que elas estão passando”, observou.
Somente na noite de quinta-feira (20), em Araras, foram realizadas 31
audiências, concedidos 27 benefícios e proferidas 100% das sentenças. O valor
pago em benefícios atrasados foi de R$ 219.172,96. A abertura do mutirão em
Araras foi feita em conjunto pela juíza Alessandra Gontijo do Amaral, diretora do
Foro de Goiás e responsável pela iniciativa, por Reinaldo Dutra e pelo
presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), Gilmar
Luiz Coelho. Alessandra Gontijo relembrou a promessa feita em fevereiro do ano
passado aos moradores locais para que tivessem seus direitos assegurados
legalmente. “Viemos aqui hoje para fazer Justiça e não, promessas. A Justiça
social tem de ser uma oração diária. É muito bom ser importante, mas é mais
importante ser bom”, emocionou-se. Gilmar Coelho lembrou que o perfil do juiz
atual deve ser aquele que mais se aproxima do cidadão. “Hoje o Judiciário faz
uma demonstração de humanidade e respeito com os jurisdicionados e com todos
aqueles que necessitam. Os magistrados deixaram seus gabinetes pra vir até esse
povoado no esforço de resgatar a dignidade dessas pessoas e garantir direitos
que lhes são inerentes”, pontuou.
O perito judicial Warley Linconln, que esteve no esforço concentrado,
esclareceu que o fato de, algumas vezes, a doença não se manifestar externamente
em alguns enfermos, não quer dizer que não tenha de ser controlada. “O
xeroderma é uma doença grave e as consequências são inúmeras como neoplasia,
além de extensões secundárias. A prevenção é a única forma de controlar a
evolução da doença. Mesmo que alguns doentes não tenham lesões exteriores, o
câncer pode se manifestar internamente”, elucidou.
Outra pesquisa recente efetuada pela USP detectou na comunidade, após uma
segunda coleta de sangue realizada recentemente, outros 169 portadores de XP.
Anteriormente, numa primeira avaliação, em meados de 2010, foram comprovados 21
doentes, dos quais dois parentes residiam nos Estados Unidos. Nas últimas cinco
décadas, 20 pessoas naturais do vilarejo morreram corroídas pelo câncer. Mais
de 60 perderam a vida com os mesmos sintomas, mas não receberam diagnóstico
médico. Cerca de 200 famílias residem em Araras.
Encerramento
dos trabalhos
As atividades do Acelerar
Previdenciário na Cidade de Goiás terminaram nesta tarde. Foram analisados
aproximadamente 231 processos – incluindo os de Araras. Dentre eles, o caso de
Divino Gonçalves Noronha, de 57 anos. Portador de vários transtornos mentais,
além de déficit cognitivo e epilepsia, ele obteve o Loas (amparo assistencial
ao deficiente) durante o mutirão, em sentença proferida pleo juiz Reinaldo
Dutra. O irmão e curador Adenil dos Santos Noronha, explica que como ele não
sabe contar cédulas de dinheiro e tem dificuldade de compreender a realidade ao
seu redor, e que, por esse motivo, é frequentemente enganado e explorado por
donos de fazendas. “Às vezes pagam para ele 5, 10 reais. Ou não dão nada pelo
serviço prestado. Ele precisa muito de ajuda e não tem como viver sozinho.
Hoje, tenho certeza de que a justiça foi feita aqui”, festejou.
Atuaram em Goiás e na edição especial do Acelerar Previdenciário de Araras os
juízes Luciana Nascimento Silva, de Turvânia; Luciano Borges da Silva, de Santa
Helena de Goiás; Marli de Fátima Naves, de Vianópolis; Reinaldo de Oliveira
Dutra, de Acreúna; Rodrigo de Melo Brustolin, de Rio Verde, e Gabriela Maria de
Oliveira Franco, de Caiapônia. Também participaram especialmente do evento em
Araras a juíza Francielly Faria Morais, de Goiás; a procuradora federal Eulina
Souza Brito Dornelles Berni, dois peritos judiciais, uma assistente social e
uma pedagoga.
Texto: Myrelle Motta/Foto:
Aline Caetano
Centro de Comunicação Social do TJGO