Fonte: Tribunal de Justiça do Piauí – 28.01.2015
Por Desembargador Brandão de Carvalho*
Há poucos dias a imprensa nacional
noticiava que a ANVISA retirava o CANABIDIOL da lista das drogas proscritas
liberando seu uso para fins específicos no tratamento da epilepsia, paralisia
cerebral, Parkinson e mal de Alzheimer, dentre outras moléstias, evidentemente
seguindo uma pauta de regramentos a serem observados quanto a sua importação.
Esta medida é de excepcional importância para fazer face aos anseios das
famílias que estão em volta destes problemas seríssimos.
Antes que a ANVISA tomasse estas providências,
o judiciário foi o caixa de ressonância destes anseios, através das ações
ajuizadas para a liberação da medicação HEMP.OIL.RSHO- canabindol CBD, na forma
prescrita pelo médico responsável, determinando-se ao Estado a contratação no
regime de urgência, com dispensa de licitação para adquiri-la, sob pena de
multa diária e bloqueio do valor necessário para a compra do medicamento.
No Piauí, mas propriamente em Teresina,
fomos o pioneiro na determinação do uso do CANABIDIOL a uma paciente infante que
se encontrava em estado precário de saúde.
No nosso caso, o infante tem apenas 02
(dois) anos e 07 (sete) meses, com epilepsia (CID: G40) e paralisia cerebral
(CID: G80), com espasmos sucessivos e com atraso no desenvolvimento
neuropsicomotor, atestado por médico neuropediatra. Importante ressaltar que,
segundo o atestado médico incluso ao pedido “o paciente já fez uso de todas as
terapias possíveis disponíveis no Brasil, sem controle adequado das crises e
com prejuízo ou não melhora do seu desenvolvimento neuropsicomotor”, e mais
adiante diz o médico “tendo em vista o fato acima relatado e a possibilidade de
melhora com o produto canabindol medicinal, segundo relatos de vários pacientes
no Brasil e após manter contato com centros de epilepsia que estão usando tal
medicação, foi solicitada como alternativa terapêutica ou complementar ao
tratamento atual.”
Hoje, depois da liberação do
“medicamento” pela ANVISA, tem-se ainda a proibição de ser comercializado no
Brasil, mas houve a abertura no sentido da importação, obedecidos certos
regramentos de natureza formal e legal pelos órgãos responsáveis, mas já foi um
grande passo para aqueles que necessitam do remédio para a cura de seus males.
Em nossa decisão fui bastante incisivo
em afirmar categoricamente que não se está aqui a apreciar a utilização da cannabis
sativa (maconha), como fonte terapêutica, mas tão somente um de seus
componentes, o CANABIDIOL, que segundo os estudos científicos, colacionados aos
autos e amplamente divulgados nos diversos meios de comunicação, é capaz de
aliviar o sofrimento dos pacientes que dele necessitam.
Não podem doutra parte, em hipótese
alguma, criticar a atuação do poder público pela cautela na liberação do
medicamento necessária para a comprovação na proteção da saúde da população até
que se concluam as análises devidas para comprovação induvidosa de sua eficácia
e só assim permitir o seu registro a liberar a comercialização em nosso país.
Baseado nestes fundamentos a nossa
decisão se alicerçou nas informações de que o medicamento pleiteado transmite a
segurança, se trata de medicamento eficaz para debelar crises que tanto
maltratam aqueles que portam tão graves doenças como de suas famílias.
O Poder Judiciário, através da
judicialização da saúde, em guarida daqueles que buscam a prestação
jurisdicional, deve dar primazia à vida e à saúde humana. É dever do Estado
assegurar o direito à saúde, o direito à vida, direitos estes que se sobrepõem
até mesmo a eventual alegação de incapacidade financeira amparada pelo
princípio da reserva do possível. O nosso próprio Tribunal de Justiça do Estado
do Piauí, tem sob sua égide a súmula 01 que dispõe: “Os direitos fundamentais,
o caráter assistencial, como o fornecimento de remédios pelo Poder Público,
compreendidos dentro dos limites constitucionais mínimos, indispensáveis à
promoção da existência digna de pessoas necessitadas, na forma da lei,
prescindem de previsão orçamentária para terem eficácia jurídica.
A nossa Constituição Federal, em seu
art. 196 é taxativa:
“a saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que usem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao
acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção
e recuperação”.
Não resta dúvida ao nosso sentir, que a
ANVISA deu um passo gigantesco para retirar o CANABIDIOL do rol das substâncias
proscritas, cabendo a ela a prerrogativa de prosseguir com os estudos
necessários na constatação da segurança e da eficácia do CANABIDIOL com vistas
ao futuro registro para sua inserção no mercado nacional, mas enquanto isto,
face a imprescindibilidade do medicamento na proteção da saúde e a vida, caberá
ao judiciário enfrentar o problema e autorizar, quando necessário, a importação
do produto.
O Juiz Federal BRUNO CESAR BANDEIRA
APOLINÁRIO, em decisão anterior a nossa, foi de uma exemplar lição de
cidadania, diz ele:
“Postos em confronto a prerrogativa da
administração pública de reter o medicamento usado pela autora para fins de
controle e averiguação de sua segurança e eficácia, e noutro polo, os direitos
fundamentais da autora à saúde e a vida, bens estes somente tuteláveis no
momento pelo uso contínuo do CANABIDIOL, há que se dar prevalência ao interesse
jurídico da demandante, uma vez que o significado da intervenção estatal sobre
ela, pelos danos irreversíveis que pode provocar, suplanta e contraria o fim
visado pela vigilância sanitária, que é o de proteger a saúde pública.” Diz
mais o insigne juiz federal ao prolatar sua decisão:
“Ao se impedir a importação e o consumo
imediato do medicamento pela autora, está a ANVISA, em verdade, contribuindo
para a involução do estado de saúde da paciente e para o incremento exponencial
do risco de morte, o que representa, claramente, a negação mesma do fim último
daquela Autarquia, que, como visto, é o de proteção da saúde e da vida.
Nossas decisões se ajustaram como mãos
à luva no sentido da proteção à saúde e a vida de todos aqueles que necessitam
do socorro do judiciário, onde a justiça possa vencer quaisquer obstáculos.
* Desembargador Luiz Gonzaga Brandão de Carvalho - Decano e Presidente da
Academia de Letras da Magistratura Piauiense