Por Aline Pinheiro
A Corte
Europeia de Direitos Humanos decidiu que, em princípio, não há nada que impeça
um médico de se formar em Direito e exercer também a advocacia. Num julgamento
anunciado nesta terça-feira (14/1), o tribunal condenou a Romênia a pagar
indenização por danos morais para um médico que, mesmo depois de registrado na
Ordem dos Advogados, foi proibido de atuar. Ele vai receber só aquilo que pediu
pelo abalo: 1 euro (cerca de R$ 3,20). A decisão é definitiva.
Mircea Mateescu resolveu recorrer à corte europeia
depois de ter seu registro como advogado negado. Ele trabalhava como clínico
geral há mais de 18 anos quando resolveu cursar Direito. Seu plano era usar
seus conhecimentos médicos para poder se especializar na área jurídica de
saúde, defendendo pacientes vítimas de erro médico.
Em 2006, Mateescu se formou e logo foi aprovado no
exame de ordem da Romênia. Ele chegou a cursar os dois anos de estágio
obrigatório na entidade, mas, ao pedir sua carteira definitiva para começar a
advogar, foi informado de que teria de desistir da medicina. De acordo com a
entidade, a profissão de médico era incompatível com a de advogado e Mateescu
teria de escolher uma das duas. Como se recusou a abandonar a medicina, seu
registro como advogado foi negado.
Ele recorreu à Justiça da Romênia pedindo o direito de
exercer as duas profissões em paralelo, mas seu pedido foi negado com base na
legislação que regulamenta a Advocacia no país. Embora não exista nenhuma lei
que impeça um médico de ser advogado, existe uma norma que lista quais
atividades são compatíveis com o exercício da advocacia e a medicina não está
entre elas.
Na Corte Europeia de Direitos Humanos, o governo da
Romênia defendeu a posição adotada pela ordem. Segundo o país, a advocacia é
uma atividade liberal e incompatível com qualquer outra, já que exige 100% de
dedicação. Essa conclusão se desprende da lei que regulamenta a profissão, que
especifica apenas quais funções podem ser exercidas pelos advogados, defendeu a
Romênia.
Os argumentos não convenceram os juízes europeus. O
tribunal entendeu que, em princípio, não existe nada que impeça um médico de
ser advogado. Os julgadores observaram que o direito à profissão pode até ser
limitado pelos países, mas precisa de leis expressas e justificativas válidas
para isso. No caso da Romênia, consideraram que a legislação não era clara o
suficiente e que não havia como o médico saber que, mesmo depois de fazer a
faculdade e passar no Exame de Ordem, não poderia exercer a advocacia.
Para a corte, houve violação do artigo 8 da Convenção
Europeia de Direitos Humanos, que prega o respeito à vida privada de cada um.
Uma vez constatada a violação, Mircea Mateescu pediu o equivalente a 14,6 mil
euros (cerca de R$ 47 mil) indenização por danos materiais, valor calculado com
base no salário mínimo dos advogados no país e todos os anos que ele foi
impedido de advogar, mesmo de posse do diploma. O pedido foi negado pela corte,
que considerou que danos materiais precisam ser provados. Não podem ser fixados
em mera especulação.
Já os danos morais foram admitidos pelo tribunal. Na
sua reclamação, o advogado pediu apenas 1 euro de indenização por danos morais.
A corte, ao explicar que não poderia ir além do que foi pedido pelo reclamante,
com base no principio de ne ultra petita, atendeu à
reclamação e fixou a reparação em apenas um euro.
Aline Pinheiro é correspondente da revista Consultor Jurídico na Europa.
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