Fonte: Migalhas – 29.08.2013
Rizzatto Nunes - Desembargador
aposentado do TJ/SP, escritor e professor de Direito do Consumidor.
Como o noticiário dos últimos dias (Talvez, para ser
mais preciso, deveria dizer "das últimas semanas") não
para de falar de médicos, então, eu também resolvi voltar ao assunto e na ótica
do direito do consumidor.
E para começar com um assunto de última hora, antes de
cuidar dos direitos dos consumidores em relação aos médicos e hospitais, devo
dizer que fiquei perplexo com a declaração do presidente do Conselho Regional
de Medicina de Minas Gerais, dr. João Batista Gomes Soares. Relativamente aos
serviços que os médicos cubanos virão prestar no Brasil, ele declarou: "Vou
orientar meus médicos a não socorrerem(sic) erros dos colegas cubanos". Jamais
pensei que um representante da classe médica pudesse aconselhar que,
diante de uma falha de um colega, aquele que pudesse corrigi-la não o
devesse fazer. São as vidas das pessoas que estão em jogo, ou não? É isso?
Vendo um erro médico, seu colega deve fechar os olhos? Essa é uma afirmativa
que viola as leis, as pessoas, o bom senso e até o juramento de Hipócrates,
que, certamente, dr. João fez.
Assim, como, ao que parece, o bom senso não está na
ordem do dia e o esquecimento pode estar em voga, lembro na sequência alguns
dos direitos e obrigações que envolvem o atendimento médico e hospitalar: os
aplicáveis à relação médico-paciente no consultório e no hospital, assim como à
relação paciente-hospital/clínica.
Naturalmente, o respeito ao Código de Defesa do
Consumidor e demais normas aplicáveis vale para os médicos brasileiros e para
os estrangeiros que aqui estiverem trabalhando. Daí que, de fato, o
problema da comunicação entre o profissional e o paciente é algo que deve ser
realçado e deve ser um dos primeiros entraves a serem superados. Às vezes,
até o médico brasileiro não se faz entender porque, ao invés de
utilizar uma linguagem direta e inteligível, adota jargões científicos que o
cliente/paciente não compreende, gerando, só por causa disso, falha no serviço
e até sérios danos. Vejamos, então, um panorama geral.
Tanto no consultório como no hospital, o médico tem
obrigação de prestar um atendimento adequado e dentro dos parâmetros legais. O
médico é um prestador de serviço e, como tal, deve fazê-lo de forma
técnica compatível com sua especialidade, sem ações precipitadas ou omissões
injustificadas. E, sem pressa. Ele deve gastar o tempo que for necessário para
concluir o atendimento.
Evidentemente, qualquer comunicação feita pelo médico
ao paciente e/ou seu familiar, responsável ou acompanhante há de ser feita em português,
em linguagem comum de forma clara e compreensível. Repito: não importa a
nacionalidade do médico; mesmo o brasileiro deve fazer a comunicação nos termos
da lei.
É também por isso que tem o consumidor o direito de
receber receitas escritas de forma legível. Nada de "caligrafia de médico é assim mesmo". Não é
nem um pouco engraçado ficar decifrando junto ao farmacêutico os
"quase-hieróglifos" do médico para descobrir qual medicamento comprar
e como tomá-lo. Além de sem graça, é ilegal, posto que é uma falha na
informação. Esta deve ser clara, precisa, detalhada. Ademais, é evidente que a
compra do remédio errado, bem como sua equivocada utilização, pode causar
sérios danos ao consumidor.
A consulta é confidencial e, resguardados os
casos de doenças de notificação compulsória (epidemias, por exemplo) ou risco
real para terceiros, o médico deve proteger as informações que recebe de seus
clientes. Na violação desse sigilo, o consumidor pode pleitear indenização do
médico e/ou hospital.
O médico e os demais profissionais devem tratar o
consumidor com educação e respeito a sua dignidade como ser humano, jamais
podendo usar expressões preconceituosas, nem se referir ao paciente pelo nome
de sua doença.
Esse direito se estende ao acompanhante, aos
familiares e, caso ocorra, ao falecido.
Nos hospitais, os profissionais devem se apresentar
devidamente identificados com crachá, no qual conste nome completo, profissão e
cargo (médico, anestesista, enfermeiro, etc.).
Quanto ao prontuário, é direito do consumidor receber
uma cópia, quer seja no consultório, quer seja no hospital ou clínica. Quando
não estiver consciente, a cópia do prontuário tem que ser entregue a seu
responsável legal (geralmente um familiar próximo: cônjuge, filhos, pais,
etc.).
É direito do consumidor receber por escrito do médico
(de forma legível, de preferência datilografado ou impresso via
microcomputador) o relato do diagnóstico feito, bem como quais serão as
condutas médicas a serem adotadas, com a descrição das etapas da doença pelas
quais o paciente irá passar, os tratamentos que serão empreendidos, os riscos
envolvidos, etc., pois o paciente pode recusar os diagnósticos e tratamentos.
Seu consentimento deve vir depois de ter recebido
claras e totais informações sobre o caso em linguagem simples. Ademais, o
paciente pode dar o consentimento e depois, se quiser, pode revogá-lo.
Quando se tratar de doença grave e/ou desconhecida, é
direito do paciente saber da expectativa que se tem sobre o resultado do
tratamento, além de ser esclarecido a respeito do diagnóstico e do tratamento,
quando se tratar de pesquisa ou procedimento experimental, assim como, também,
ser esclarecido dos riscos na relação com os benefícios.
É obrigação do médico/hospital/clínica fazer testes
antialérgicos para uso de medicamentos que apresentem riscos quando ministrados
(por exemplo, penicilina), bem como teste para verificação de diabetes, quando
o procedimento ou o uso do medicamento trouxer riscos em função dessa doença.
É obrigação do médico/hospital/clínica utilizar-se de
material esterilizado ou descartável, tudo dentro das mais estritas regras de
segurança e higiene. Se for necessária a utilização de sangue, o paciente tem
direito de conhecer a procedência do sangue que irá receber.
Nas consultas e intervenções o paciente pode ter
presente um acompanhante e isso é válido para o parto; o pai, querendo, pode
assistir.
O paciente tem direito a receber um orçamento prévio
do serviço que será prestado e dele devem constar: o valor dos honorários; o
preço dos materiais a serem empregados; as condições de pagamento (ou seja: se
é à vista, parcelado, com ou sem entrada, etc.); as datas de início e término
do serviço ou a previsão da necessidade de sua continuidade; e o prazo de
validade do orçamento. Se o orçamento não falar do prazo de validade, ele
valerá por dez dias. Após a sua aprovação, não pode ser alterado.
Em casos de internação de urgência, realço que a lei
12.653, de 28/5/2012 tipificou o crime de condicionamento de atendimento
médico-hospitalar emergencial1 para coibir os abusos praticados pelos
hospitais.
Por fim, lembro que todos os direitos do consumidor
aqui narrados são extensivos aos familiares do paciente.
__________
1A lei
acrescentou o art. 135-A ao Código Penal: Condicionamento de atendimento médico-hospitalar
emergencial
Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota
promissória ou qualquer garantia, bem como o preenchimento prévio de
formulários administrativos, como condição para o atendimento médico-hospitalar
emergencial: Pena -
detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
Parágrafo único. A pena é aumentada até o dobro
se da negativa de atendimento resulta lesão corporal de natureza grave, e até o
triplo se resulta a morte.
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